Deus criou as pessoas esperando que elas vivam em paz e harmonia. A convivência fraterna faz parte do projeto de Deus para todos. Porém, surgem inúmeros problemas no relacionamento humano. Também entre os “crentes” não são poucas as demandas existentes, que ferem o propósito original de Deus. Quando isto acontece, o que fazer?
Ao invés de recorrer aos próprios irmãos e a comunidade cristã, muitos optam por buscar os recursos da lei comum, contratando advogados para defender uma causa contra outra pessoa. Será que os cristãos devem recorrer à justiça comum para tratar problemas de relacionamento? Como resolver essas e outras questões entre “irmãos”?
Quando o cristão ignora a ajuda da igreja na solução de demandas e contendas, e apela imediatamente para a justiça comum, está contrariando um princípio bíblico. Conforme a orientação de Paulo, a questão deve ser resolvida dentro da própria comunidade.
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[1] BARKLEY, Willian. Comentário do Novo Testamento, I e II Corintios, volume 9. Portugal: La Aurora: 1978.
[2] MORRIS, Leon. I Coríntios - Introdução e Comentário. Série Cultura Bíblica, volume 7. São Paulo: Editora Mundo Cristão, 1989.
[3] PRIOR, David. A Mensagem de 1 Coríntios: A vida na igreja local. São Paulo: ABU Editora, 2001.
[4] HODGE, Charles. Comentário De I Coríntios (Spanish Edition). Madrid: Banner of Truth, 1996
CONTEXTUALIZAÇÃO
Em I Coríntios 6, o apóstolo Paulo reconhece a possibilidade de existir contendas entre os crentes. E também orienta aos fiéis quanto à maneira adequada de tratar os possíveis conflitos. Em geral, os coríntios eram muito arrogantes e competitivos, viviam muito preocupados em defender os seus direitos. Aliás, à semelhança de alguns membros de igreja, eles eram mais preocupados com os seus direitos do que com as suas responsabilidades.
Na cidade de Corinto, quando uma pessoa falhava com a outra, era imediatamente levada ao tribunal para ser julgada. Lamentavelmente, isto também acontecia com membros da igreja: procuravam a lei dos incrédulos para resolver os seus problemas de relacionamento. Os “crentes” imitavam o modelo comum de seu tempo, como comenta o prof. William Barclay: “os gregos se caracterizavam por ser um povo naturalmente litigioso. Os tribunais e processos eram de fato os seus divertimentos e passatempos principais... numa típica cidade grega todos os homens eram mais ou menos advogados e passavam grande parte do tempo decidindo casos legais ou se envolvendo com eles. Os gregos eram famosos ou notórios, pelo apego à lei”. [1]
O que acontecia em Corinto ainda ameaça os cristãos em todas as épocas. O cristão não deve permitir que práticas comuns do mundo estejam invadindo e impondo os seus métodos e formas. Entretanto, é preciso reconhecer a legitimidade e a necessidade dos tribunais (Rm 13:1-4; I Pe 2:13-14). Há questões que, inevitavelmente, precisam ser tratadas nesses tribunais, tendo em vista que a igreja não assume as prerrogativas e as funções do magistrado civil.Porém, na medida do possível, os cristãos devem procurar não depender desses tribunais. As suas questões devem ser resolvidas com amor, perdão, paciência e bom senso, enfim, de maneira cristã.
APLICAÇÕES
A partir de I Coríntios 6, podemos aprender por que o apóstolo Paulo repreendeu aos coríntios por levar os seus problemas à justiça comum. O apóstolo ensina que:
1. O LITÍGIO DEMONSTRA FRACASSO ESPIRITUAL
De início, o apóstolo Paulo ensina que recorrer a tribunais não cristãos para resolver os problemas de relacionamento entre cristãos é ignorar a capacitação conferida à comunidade do Senhor para julgar e restaurar os seus membros. É como assinar um atestado do fracasso e da incompetência da igreja. Problemas entre irmãos se resolvem no ambiente doméstico da comunidade. Como se diz na linguagem: “roupa suja se lava em casa”.
Os cristãos receberam orientação do Senhor Jesus quanto ao tratamento das faltas de uns para com os outros (Mt 18:15-20), que envolve 4 fases, a saber:
a)Ação Individual – Se o teu irmão pecar, vai tu e ele só e tenta ganhar o teu irmão;
b) Ação grupal – Se ele não te ouvir, leva uma ou duas testemunhas, visando ganhar o teu irmão;
c) Ação Comunitária – Se ele não te ouvir, leva ao conhecimento da igreja;
d) Ação Cirúrgica – Se ele não ouvir a igreja, considera-o como “gentio publicano”.
Os recursos existentes no ambiente comunitário são suficientes para equacionar e resolver o problema. Comenta o Prof. Leon Morris que “ir a juízo contra um irmão já é incorrer em derrota, seja qual for o resultado do processo legal... Obter a vitória do veredicto pouco significa. Já se perdeu a causa quando um cristão abre um processo”. [2]
Paulo considera completa derrota já haver demandas entre cristãos, por isso ele pergunta: “Por que não sofreis a injustiça? Por que não sofreis antes o dano?” (V.7). Sofrer o dano ou a injustiça é melhor do que aceitar o juízo de terceiros. Neste sentido, perder a causa pode ser sinal de verdadeira vitória. O que adianta ganhar a causa, mas perder o irmão? É preciso, pois, envidar todos os esforços no sentido de se resolver a questão no âmbito da igreja. A orientação da liderança da igreja deve ser sempre buscada e valorizada (v.5).
2. O LITÍGIO DESVIA O CRISTÃO DE SUA MISSÃO
No texto, o apóstolo faz a pergunta: “Não sabeis vós que havemos de julgar os próprios anjos?” (v.3). Neste versículo há um lembrete quando às nossas responsabilidades no julgamento final. Talvez, pela imaturidade dos coríntios, o apostolo não pode explicar com mais detalhes a respeito disto. Porém, a palavra de Jesus é que os regenerados assentarão no trono para julgar (Mt 19:28).
Quer dizer que quando alguém passa a “brigar” por causa contra o seu irmão na justiça comum, desvia a sua atenção de uma causa maior e despreza a justiça divina. O litigioso comete uma terrível inversão de valores, esquecendo o seu destino e desprezando a justiça de Deus que diz: “A ninguém torneis mal por mal; procurai as coisas honestas, perante todos os homens. Se for possível, quanto estiver em vós, tende paz com todos os homens. Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas daí lugar à ira, porque está escrito: Minha é a vingança; eu recompensarei, diz o Senhor” (Rm 12:17-19).
O apóstolo propõe um retorno aos valores do Reino e aos créditos confiados à comunidade cristã. Vale à pena investir no destino eterno e descansar na justiça divina.
O cristão é chamado a ser um instrumento de paz, conciliação e bênção. O que Deus disse a Abraão se estende a nós: “Sê tu uma benção” (Gn 12:2).
3. O LITÍGIO PREJUDICA A PREGAÇÃO CRISTÃ
Os coríntios se tornaram tão insensíveis às realidades espirituais que nem mais se preocupavam em preservar a reputação cristã na sociedade. Diz o Dr. Prior: “Eles tinham se afastado tanto da realidade sobrenatural do amor mútuo no amor de Cristo, que estavam desprezando deliberadamente os padrões normais de ética social e comercial”. [3]
Isto significa que a atitude dos coríntios ficava aquém dos padrões dos judeus que seguiam a orientação dos rabinos. Comenta Charles Hodge a respeito de um estatuto, que obrigava todos os israelitas a tratar os seus problemas “em casa”: “Se um israelita tem uma causa contra o outro, o processo não deve ser feito diante dos gentios”.[4]
Quer dizer, levar uma causa particular e comunitária à justiça comum descredenciava a igreja e enfraquecia a sua autoridade diante do mundo. Dependendo da conduta dos cristãos, portas poderão se abrir ou se fechar à pregação da igreja. Quando os membros da igreja são mais injustos do que os gentios, eles se desacreditam no anúncio do amor e perdão de Deus. Pode alguém dizer que ama a Deus e odeia o seu irmão? (I Jo 4:20). Será que o mundo vai acreditar em uma mensagem pregada por “mentirosos”?
Não se pode ignorar a existência de problemas de relacionamento no ambiente da igreja. Porém, para comprovar diante do mundo que Deus tem prazer na misericórdia, o caminho indicado e recomendado aos cristãos é a aceitação dos princípios bíblicos. Quando a igreja aplica os princípios bíblicos ele cresce interna e espiritualmente; mas, também cresce o nome de Cristo e da igreja diante do mundo. Conseqüentemente abrem-se portas mais amplas para a pregação do evangelho.
Que o Espírito Santo sensibilize e ensine aos cristãos de todas as épocas a viverem e praticarem o amor de Deus!
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[1] BARKLEY, Willian. Comentário do Novo Testamento, I e II Corintios, volume 9. Portugal: La Aurora: 1978.
[2] MORRIS, Leon. I Coríntios - Introdução e Comentário. Série Cultura Bíblica, volume 7. São Paulo: Editora Mundo Cristão, 1989.
[3] PRIOR, David. A Mensagem de 1 Coríntios: A vida na igreja local. São Paulo: ABU Editora, 2001.
[4] HODGE, Charles. Comentário De I Coríntios (Spanish Edition). Madrid: Banner of Truth, 1996
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