INTRODUÇÃO
A igreja cristã sempre enfrentou o
desafio de discernir o que é certo, ou errado. Em se tratando de usos e costumes,
existe uma boa maioria que fica dividida. Às vezes, pessoas da mesma
comunidade, não chegam a uma harmonia sobre este ou aquele assunto, sobre se é
ou não lícito a um cristão. Em geral, a polêmica se estabelece causando muitas
vezes rupturas e contendas na comunidade. Ao cristão, no mundo de hoje, cabe uma
mente equilibrada, uma visão aberta e uma postura tolerante, dentro da
liberdade cristã, entendendo que, em se tratando de usos e costumes, haverá
sempre variação de um lugar para outro, de um povo para outro e de uma época
para outra.
CONTEXTUALIZAÇÃO
Usos e costumes continuam sendo uma
questão delicada na comunidade cristã. Em Corinto, a questão girava em torno da
mulher e o uso do véu. Para discernirmos o ensino de Paulo sobre a
questão do véu, precisamos compreender o contexto cultural em que o véu foi
usado.
Leon Morris faz o seguinte comentário: “Nas terras orientais o véu é o poder, a honra e a
dignidade da mulher. Com o véu na cabeça, ela pode ir a qualquer lugar com
segurança e profundo respeito. Ela não é vista; é sinal de péssimos modos ficar
observando na rua uma mulher velada. Ela está só. As demais pessoas à sua volta
lhe são inexistente, como ela o é para elas. Ela é suprema na multidão...
Porém, sem o véu, a mulher é algo nulo, que qualquer um pode insultar... A
autoridade e a dignidade da uma mulher se esvaem com o véu que tudo cobre,
quando ela se descarta dele”.[1]
O véu, portanto, representava duas coisas na
cultura de Corinto: A honradez e modéstia da mulher e a submissão ao seu
marido. Nesse sentido o véu era símbolo da dignidade e da modéstia feminina.
Apenas as prostitutas e as sacerdotisas cultuais dos cultos pagãos saíam a
público sem véu ou participavam de um culto pagão sem véu. Quando uma mulher
era vista sem véu, seja na rua ou em uma cerimônia paga ou mesmo na igreja,
essa mulher estava desonrando a si mesma, dando motivo para que sua reputação
fosse questionada. Agindo assim, ela também desonrava a seu marido (11.5).
O que aconteceu com as mulheres de Corinto
quando elas receberam as boas-novas do evangelho? Elas perceberam que em Cristo
eram livres. Não estavam mais debaixo do jugo cultural da cidade de Corinto.
Paulo, porém, as exorta dizendo que se elas orarem e profetizarem sem o véu
desonrarão a própria cabeça e o cabeça da mulher é o marido.
Uma mulher em Corinto participando do culto
público sem véu aconteceria três reações:[2]
a) Por parte da igreja, isso provocaria
escândalo e seria absolutamente inconveniente.
b) Por parte dos não crentes, isso causaria uma
série de distração para os homens durante o culto, pois a confundiria com
prostitutas.
c) Além de representar uma negação da submissão
no Senhor que as mulheres casadas deviam ao marido.
David Prior diz que nesse contexto, Paulo
trabalha sobre quatro questões importantes para solucionar o problema do
comportamento das mulheres no culto público.[3]
1. Submissão, 11.3-6 - O
apóstolo Paulo mostra o padrão de relacionamento que Deus estabeleceu na comunidade
cristã (11.3). As mulheres têm espaço na igreja. (11.5). Mas essa prática
deveria ser exercida reconhecendo a dignidade dela e a sujeição ao seu marido.
2. Glória, 11.7-10 - Depois de falar sobre a questão da submissão, Paulo fala sobre o
homem como glória de Deus e a mulher como glória do marido.
3. Interdependência, 11.11-12 - Se
a mulher veio do homem, por ter Deus criado a mulher a partir da costela do
homem e o homem é nascido da mulher, então eles são interdependentes. O homem é
a causa inicial da mulher, ela é a sua causa instrumental, mas ambos devem sua
origem a Deus.[4]
4. Natureza (11.13-16 - Deus fez
o homem e a mulher diferentes um do outro. O homem precisa manter sua diferença
física da mulher. Seu vestuário deve ser diferente. O papel do homem é
diferente do papel da mulher. O homem deve ser verdadeiramente masculino e a
mulher verdadeiramente feminina.
1. USOS E
COSTUMES E A CULTURA
Na reflexão sobre usos e costumes a
sociedade cristã precisa levar em conta a cultura. Por cultura entendemos a
"Soma do modo de pensar. sentir e agir de um grupo social".
C. Peter Wagner[5] em
seu livro sobre a Igreja de Corinto dá um exemplo citando a cultura da
Tailândia. Lá, sentar-se com as pernas cruzadas é imoral; aqui no Brasil é algo
completamente normal. É comum na Escócia o uso de um tipo de saia pelo homem,
em outros lugares é possível que tal uso cause escândalo e polêmica.
Com isto a comunidade cristã precisa
aprender que muitas questões sobre usos e costumes dependem do contexto
cultural. Sem ferir as Escrituras, a cultura precisa ser considerada. Paulo
diz: "Um faz diferença entre dia e
dia, mas outro julga iguais todos os dias. Cada um tenha opinião bem definida
em sua própria mente" (Rm 14.5).
Em se tratando de usos e costumes
sempre existem diversidades, em função da cultura. Contudo, cada um pode ser
perfeitamente cristão, qualquer que seja seu tipo de cultura, desde que não
entre em contradição com o Evangelho. Há, entretanto, elementos culturais que
precisam ser transformados pelo Evangelho.
Se Paulo tivesse de ensinar esse princípio a uma
de nossas igrejas no Ocidente, ele não diria às mulheres que usassem véu na
igreja. O véu não faz parte da nossa cultura. William Barclay chega a dizer que
o uso do véu tem um significado puramente local e transitório.[6]
Porém, o princípio permanece. As mulheres devem ser submissas aos seus maridos
e precisam vestir-se com modéstia e pureza.
2. USOS E
COSTUMES E O TEMPO
As coisas mudam. O tempo é dinâmico e,
principalmente em se tratando de usos e costumes, há uma enorme variação com o
passar dos anos. Certamente, se Paulo fosse escrever uma carta para a igreja de
hoje, as questões envolvendo usos e costumes seriam outras.
No século passado as pessoas não entrariam
em um templo usando certos modelos que hoje são aceitáveis. O Evangelho é
imutável, mas usos e costumes não; eles variam de acordo com a época. Pode-se
verificar também que nos relacionamentos entre pais e filhos costumam haver
conflitos de gerações, pois as experiências dos filhos são, em muitos aspectos,
diferentes das dos pais. É a influência da época sobre os usos e costumes.
O professor Júlio Andrade Ferreira
diz: "Na época em que vivemos nada
mais urgente do que tentar viver um Evangelho para a civilização em
mudança". [7]
O cristão é desafiado a conhecer os padrões
culturais, os usos e costumes e viver plenamente o Evangelho, levando-se em
conta um fato inegável: a mudança. É muito comum, atualmente, encontrar
pontos de vista diferentes sobre questões de usos e costumes na mesma comunidade,
ou na mesma denominação, variando de comunidade para comunidade.
A comunidade é diversa e é preciso
respeitá-la. Nela as diferentes gerações se encontram e são desafiadas a
exercitar a fé no Cristo vivo. É Ele quem nos une. Essas diferentes e gerações diversas, apesar
de usos e costumes distintos, podem e devem evidenciar a unidade em Cristo
Jesus "onde não pode haver grego nem
judeu, circuncisão nem incircuncisão, bárbaro, cita, escravo, livre, porém
Cristo é tudo e em todos" (Cl 3.11).
3. USOS E
COSTUMES E O AMOR
O comportamento do cristão, por mais
certo que esteja, precisa ser determinado pelo amor. Quando Paulo começa a
tratar dos assuntos referentes à liberdade cristã, envolvendo usos e costumes,
ele inicia falando do amor (1 Co 8.1).
Para que usos e costumes não venham a
prejudicar a comunidade cristã, o amor precisa ser o controlador de tudo. Numa comunidade podem existir pessoas
"fracas na fé", como também "fortes na fé". Em Corinto,
como em quase todas as igrejas do mundo, havia estes dois grupos.
Segundo C. Peter Wagner, "não é pecado ser fraco ou forte. O
corpo de Cristo é composto dos dois. O pecado só entra em questão quando os
fracos e os fortes começam a brigar, perturbando a comunhão. Na vida
comunitária desses dois grupos precisa existir o amor "que é o vínculo da perfeição"
(Cl 3.14). [8]
Quando falta amor, muitos dissabores
surgem na comunidade. Por isso, no capítulo do amor o apóstolo é tão enfático:
"Se não tiver amor..." (1 Co 13.1-3).
Na questão dos usos e costumes, o irmão
mais forte não pode fazer tropeçar o mais fraco. É oportuna a recomendação do
apóstolo
Pedro (II Pe 1.3-7).
[1] MORRIS, Leon. I
Coríntios - Introdução e Comentário.
Série Cultura Bíblica, volume 7. São
Paulo: Editora Mundo Cristão, 1989.
[2] LOPES, Hernandes
Dias Lopes, I Coríntios: Como resolver conflitos na Igreja. São Paulo: Hagnos,
2008.
[3] PRIOR, David. A
Mensagem de 1 Coríntios: A vida na igreja local. São Paulo:
ABU Editora, 2001
[4] RIENECKER, F. & ROGERS, C. Chave
lingüística do Novo Testamento Grego. São Paulo: Editora Vida Nova, 1985.
[5] WAGNER, C.
Peter. Se Não Tiver Amor. Curitiba:
Luz e Vida, 1982.
[6] BARKLEY, Willian. Comentário do Novo
Testamento, I e II Corintios, volume 9. Portugal: La Aurora: 1978.
[7] FERREIRA, Júlio Andrade. História da Igreja Presbiteriana do Brasil
(Vol. I e II). São Paulo: CEP, 1992.
[8] WAGNER, C.
Peter. Se Não Tiver Amor. Curitiba:
Luz e Vida, 1982.
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